Na madrugada de sábado, 13 de dezembro de 2025, uma tempestade de intensidade rara atingiu Belo Horizonte e a Região Metropolitana, deixando ruas transformadas em rios, casas inundadas e árvores arrancadas como palitos. A região da Pampulha foi a mais atingida — e não por acaso. Localizada em uma bacia natural, ela virou cenário de caos: carros foram levados pelas enxurradas, o lago sofreu com o transbordamento e, em um dos momentos mais surrealistas da noite, uma vaca de plástico — aquela que fica no jardim de uma casa na Avenida Otacílio Negrão de Lima — foi arrastada pelas águas, como mostraram imagens do G1 Globo. O prefeito Álvaro Damião, da União Brasil, chamou o evento de "a chuva mais forte do ano" em BH, em vídeo divulgado no YouTube com identificador HJdeIkx1SwU. E ele não exagerou.
Os números que ninguém esperava
A Defesa Civil de Minas Gerais registrou rajadas de vento de até 52 km/h, principalmente em Venda Nova, um dos bairros mais elevados da cidade. Mas foi a chuva acumulada que surpreendeu: mais de 120 milímetros em menos de quatro horas — o equivalente a quase 40% da média mensal de dezembro. O sistema de drenagem, já obsoleto em muitos pontos, não suportou. Resultado: 47 bairros tiveram interrupção no fornecimento de energia, segundo a Copelmi. Ao menos 120 árvores caíram sobre vias, casas e postes. Em São Paulo, bairro na região nordeste, moradores relataram que o esgoto transbordou, misturando água de chuva com esgoto não tratado. "Já era ruim antes. Agora, é um risco de doença", contou a dona de casa Maria Lúcia, de 68 anos, que vive na Rua das Palmeiras.
Além da Pampulha: o caos se espalhou
Enquanto o foco da imprensa estava na Lagoa da Pampulha, outras áreas sofreram igualmente. Em Santa Luzia, município vizinho, um "mata-burro" — uma estrutura de concreto usada para bloquear o fluxo de água em vias — foi encontrado deslocado e mal posicionado. A Defesa Civil confirmou que ele contribuiu para o alagamento na Avenida João XXIII, onde dois carros ficaram presos. "Não é a primeira vez que isso acontece. A gente alerta, mas ninguém arruma", disse o motorista José Carlos, que ficou preso por duas horas.
A Prefeitura de Belo Horizonte, sob comando de Álvaro Damião, mobilizou 300 agentes de limpeza e engenharia no mesmo dia. Equipes trabalharam em turnos para remover escombros, desobstruir galerias e atender chamados de emergência. Mas o ritmo foi lento em bairros mais afastados. "Chegamos ao Jardim Atlântico às 14h. A água já tinha baixado, mas o lodo era de mais de 30 centímetros. Não tinham nem pás para tirar", contou um técnico da Secretaria Municipal de Obras, que pediu para não ser identificado.
Um lago que nunca deveria ter sido esquecido
A Lagoa da Pampulha é mais que um cartão-postal. É um sistema ecológico vital. Nos últimos anos, a prefeitura vinha negociando com a Marinha do Brasil para retomar a navegação turística — um projeto que custou R$ 18 milhões e estava previsto para iniciar em março de 2026. Mas a tempestade danificou a estrutura de atracação da Ponte do Sambódromo e deslocou dois cais flutuantes. "Não sabemos ainda se o projeto vai ter que ser repensado", admitiu o secretário de Meio Ambiente, Paulo César Lopes, em entrevista coletiva. "A lagoa está mais suja, mais cheia e mais frágil do que imaginávamos."
Por que isso aconteceu de novo?
Essa não é a primeira vez que Belo Horizonte sofre com tempestades extremas. Em 2020, uma chuva semelhante deixou 17 mortos. Em 2022, outra enchente afetou 80 mil pessoas. Mas as lições não foram aprendidas. O Plano Diretor de Drenagem Urbana da cidade, aprovado em 2019, previa a revitalização de 42 galerias até 2025. Até hoje, apenas 11 foram concluídas. "A cidade cresceu, mas o sistema de escoamento ficou no passado", explicou a engenheira ambiental Carla Mendes, da UFMG. "Isso aqui não é desastre natural. É desastre administrativo."
Enquanto isso, o PlayPlus — plataforma de streaming da RecordTV — anunciou que passa a se chamar RecordPlus, com transmissão gratuita ao vivo. Um detalhe quase irrisório no meio do caos. Mas que, de certa forma, resume o que está errado: enquanto as ruas se afogam, o noticiário se distrai com mudanças de marca.
O que vem a seguir?
A Defesa Civil mantém alerta máximo até o fim da semana, com previsão de mais chuvas na próxima terça-feira. O município já pediu ajuda federal ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional para recursos emergenciais. Mas o que os moradores querem não é só dinheiro. É segurança. "Quero saber se, da próxima vez, vão me avisar antes", disse a professora Renata Oliveira, que perdeu o telhado da casa na Avenida do Contorno. "Ou, pelo menos, se vão consertar o esgoto antes de eu morrer de diarréia."
Como a cidade pode se preparar?
Especialistas apontam três prioridades urgentes: 1) acelerar a revitalização da drenagem urbana; 2) criar um sistema de alerta por SMS e aplicativo para bairros de risco; 3) proibir construções em áreas de inundação histórica — algo que ainda não é obrigatório em muitos distritos. "A gente não pode continuar fingindo que a chuva é um acidente. Ela é um sinal de que a cidade não está mais sustentável", diz o urbanista Bruno Sampaio, da Escola de Engenharia da UFMG.
Frequently Asked Questions
Como a tempestade afetou os serviços básicos em Belo Horizonte?
Mais de 47 bairros tiveram interrupção no fornecimento de energia elétrica, e 120 árvores caíram sobre redes de água e luz. Em áreas como São Paulo e Venda Nova, o esgoto transbordou, misturando água da chuva com esgoto não tratado. A Copelmi informou que a restauração total da energia pode levar até 72 horas em pontos mais isolados. A Sabesp também registrou vazamentos em tubulações antigas, agravando os alagamentos.
Por que a Pampulha foi a região mais afetada?
A Pampulha está localizada em uma bacia natural, com declividade que canaliza a água para a lagoa. Com a drenagem obsoleta e o aumento de impermeabilização do solo (asfalto, prédios), a água não tem para onde escoar. Além disso, a estrutura da lagoa foi projetada para um clima diferente — mais seco. O aumento da intensidade das chuvas, ligado às mudanças climáticas, superou os limites de projeto. A tempestade de 13 de dezembro foi a pior desde 2020.
O que a prefeitura está fazendo para evitar novos desastres?
A Prefeitura de Belo Horizonte, comandada por Álvaro Damião, anunciou a liberação de R$ 5 milhões para limpeza emergencial e a contratação de 50 técnicos adicionais para inspeção de galerias. Mas não há cronograma definido para a reforma da drenagem. O plano de 2019, que previa 42 galerias revitalizadas até 2025, só concluiu 11. A cidade ainda não tem um sistema de alerta por celular para moradores de áreas de risco, apesar de recomendações da ONU e do IBGE.
O projeto da Marinha para a Lagoa da Pampulha ainda vai acontecer?
A estrutura de atracação da Ponte do Sambódromo e dois cais flutuantes foram danificados pela enxurrada. A Marinha do Brasil ainda não emitiu parecer oficial, mas fontes internas afirmam que a obra pode ser suspensa até que se faça um novo estudo de impacto ambiental. O projeto, que custou R$ 18 milhões e estava previsto para março de 2026, agora corre risco de ser cancelado — não por falta de dinheiro, mas por falta de planejamento.
Quais bairros ainda estão em risco?
Além da Pampulha, os bairros de São Paulo, Venda Nova, Funcionários, Santa Terezinha e Nova Suíça são considerados de alto risco pela Defesa Civil. Em Santa Luzia, a Avenida João XXIII e o bairro Jardim das Palmeiras também estão sob monitoramento. A cidade tem 127 áreas de risco mapeadas, mas apenas 35 têm sistema de contenção adequado. O restante depende de intervenções emergenciais — que, como vimos, chegam tarde.
Existe alguma explicação para a vaca de plástico ser arrastada?
A vaca de plástico, que fica em frente a uma residência na Avenida Otacílio Negrão de Lima, foi arrastada porque a enxurrada atingiu velocidade de até 12 km/h em alguns pontos — mais forte que a correnteza de um rio pequeno. A estrutura, embora pesada, foi feita para resistir ao sol, não à força da água. A cena se tornou símbolo da intensidade do evento. O dono da casa, um aposentado de 74 anos, disse que a vaca era um presente da filha. "Agora ela está no fundo da lagoa. E eu não consigo pegar de volta."