Às 22h da terça-feira, 16 de dezembro de 2025, o Correios entrou em uma paralisação inédita em nove estados — Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo — após assembleias que aprovaram uma greve por tempo indeterminado. O movimento, que começou sem aviso prévio, foi o resultado direto do colapso das negociações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), cujo termo anterior expirou em julho de 2025 e vinha sendo prorrogado mês a mês. O que parecia uma crise administrativa se transformou em um conflito social com impacto real na vida de milhões: o Natal está a poucos dias, e os pacotes não chegam.
Greve não é unânime — mas é suficiente para causar caos
Apesar da gravidade do movimento, a realidade é mais complexa do que parece. Dos 36 sindicatos que representam os funcionários dos Correios, apenas 12 aderiram à greve. A empresa afirma que 91% dos cerca de 110 mil empregados continuam trabalhando. Mas aqui está o ponto crucial: a greve não precisa ser total para parar o sistema. As bases afetadas são as mais estratégicas: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais respondem por mais de 40% do volume de encomendas nacionais. Em São Paulo, a paralisação foi aprovada mesmo contra a orientação do Sindicato dos Trabalhadores em Correios, Telégrafos e Similares do Estado de São Paulo (STCTTEESP). Isso mostra que a insatisfação chegou ao nível da base — e não só da liderança sindical.Além dos nove estados, paralisações foram decretadas em regiões-chave como o Vale do Paraíba, Campinas, Santos e Londrina. E há mais: 12 bases, incluindo Amazonas, Bahia, Distrito Federal e Juiz de Fora, mantêm o estado de alerta. A greve pode se espalhar a qualquer momento.
As reivindicações que não são só salário — são dignidade
Os trabalhadores não estão pedindo um aumento generoso. Estão pedindo o mínimo que a lei e a história garantem. A principal reivindicação é a reposição da inflação nos salários — algo que não acontece desde 2022. Mas há mais: a manutenção do adicional de 70% nas férias, o pagamento de 200% por trabalho aos finais de semana e o tão esperado "vale-peru" de R$ 2.500,00. Sim, R$ 2.500. Um valor que, para muitos, representa o único dinheiro extra para comprar presentes, comida ou pagar contas no fim do ano.O sindicato de Minas Gerais foi claro: "A direção dos Correios demonstra total desrespeito. Quer destruir nosso plano de saúde, acabar com os 70% das férias, extinguir a entrega matutina, impor o SD [Sistema de Distritamento] da morte". Essas frases não são exagero. São relatos de quem passa o dia correndo entre bairros, com veículos velhos, sem apoio logístico, e ainda sendo acusado de ser o responsável pela crise da empresa.
A empresa diz que não tem dinheiro — mas o que acontece com os bilhões?
Os Correios alegam déficit de R$ 6 bilhões até setembro de 2025. Mas a pergunta que ninguém faz: onde foi parar o dinheiro? A estatal recebeu R$ 15 bilhões em subsídios do governo entre 2020 e 2024. Também tem contratos bilionários com o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e outras instituições públicas. O que falta não é dinheiro — é transparência.Para tentar se reestruturar, a empresa busca um empréstimo de R$ 12 bilhões com garantia do Tesouro Nacional. A primeira proposta — de R$ 20 bilhões — foi recusada por causa da taxa de juros. Agora, há uma contraproposta em análise. Ao mesmo tempo, os Correios planejam um Plano de Demissão Voluntária (PDV) que pretende tirar 15 mil funcionários do quadro até 2027. Ou seja: os trabalhadores pagam a conta com o emprego. Enquanto isso, a direção não apresenta proposta concreta de redução de custos administrativos, nem de reestruturação de cargos de confiança.
Medidas contingenciais? O que isso significa na prática?
Os Correios afirmam que "medidas contingenciais garantem a continuidade dos serviços essenciais". Mas o que é "essencial"? Cartas de aposentadoria? Notificações judiciais? Pacotes de remédios? A empresa não define. E o pior: muitos municípios já relatam atrasos de até 15 dias em entregas de encomendas. Em Santos, lojistas de e-commerce dizem que perderam 60% das vendas do período pré-Natal. Em Ceará, idosos não recebem medicamentos enviados por planos de saúde. Isso não é "contingência". É negligência.O que vem a seguir? O TST ainda tem chance de evitar o caos
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem mediando negociações desde 11 de dezembro, com reuniões em 15 e 16 de dezembro. Nenhuma proposta foi aceita. Mas o calendário é apertado: o Natal é em 25 de dezembro. Se não houver acordo até quinta-feira, 18 de dezembro, a greve se tornará uma crise nacional. Os Correios já não conseguem entregar com eficiência — e se a paralisação se espalhar, o sistema logístico do país entrará em colapso.Os trabalhadores não querem destruir a empresa. Querem sobreviver nela. "Nós não causamos a crise. Por que somos os únicos a pagar?", perguntou um funcionário de Curitiba em uma assembleia. Ele tinha 28 anos de casa. Não pediu demissão. Pediu respeito.
Frequently Asked Questions
Quais estados estão em greve e quais ainda estão operando normalmente?
A greve está em vigor em Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além de bases como Campinas, Santos e Londrina. Mas 24 dos 36 sindicatos não aderiram ao movimento, e cerca de 91% dos funcionários continuam trabalhando. Regiões como Rio Grande do Norte, Bahia e Distrito Federal mantêm o estado de alerta, podendo aderir a qualquer momento.
O que é o "vale-peru" e por que ele é tão importante?
O "vale-peru" é um benefício de fim de ano no valor exato de R$ 2.500,00, que os trabalhadores dos Correios recebiam historicamente como complemento salarial. Foi cortado em 2023 e nunca foi restabelecido. Para muitos, esse valor é essencial para comprar presentes, alimentos e pagar dívidas no Natal. Sem ele, a renda familiar cai drasticamente em um mês já caro.
Por que os Correios não conseguem pagar os salários e benefícios?
A empresa alega déficit de R$ 6 bilhões até setembro de 2025, mas já recebeu R$ 15 bilhões em subsídios públicos nos últimos quatro anos. O problema não é falta de recursos, mas má gestão: altos custos administrativos, contratos ineficientes e falta de transparência. O PDV de 15 mil demissões e o empréstimo de R$ 12 bilhões sugerem que a solução está em cortar funcionários, não em corrigir a estrutura.
A greve vai afetar as entregas de Natal?
Sim. Embora 91% dos funcionários estejam trabalhando, os principais centros logísticos — São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais — estão paralisados. Lojistas já relatam atrasos de até 15 dias. Pacotes de remédios, documentos e presentes não estão chegando. O impacto é maior nas regiões que dependem do e-commerce, como o Nordeste e o Sul.
O que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) pode fazer agora?
O TST pode impor uma solução provisória, como já fez em 2020, quando suspendeu cortes de benefícios. Mas até agora, só mediou. Se não agir até 18 de dezembro, corre o risco de ser visto como omisso. A pressão política e social está crescendo — e o tribunal não pode ignorar que milhares de famílias estão à beira do desespero.
Quem são os verdadeiros responsáveis pela crise dos Correios?
Não é só a direção da empresa, nem os trabalhadores. É o modelo de gestão que transformou uma estatal pública em um negócio sem foco. A falta de investimento em tecnologia, a terceirização desenfreada e a pressão por lucro em vez de serviço público criaram um sistema frágil. Os funcionários são o elo mais fraco — mas também o mais essencial. Eles não são os culpados. São os que seguram o sistema.